Neste domingo (17), o Brasil celebra o Dia do Patrimônio Cultural, data dedicada a conscientizar a população sobre a importância de proteger bens que, além de embelezar as cidades, fortalecem a identidade nacional, garantem o direito à memória e contribuem para o desenvolvimento social e econômico.
A Constituição Federal define como Patrimônio Cultural os bens, materiais ou imateriais, que representam e preservam a identidade, a história e as tradições dos diferentes grupos que formam a sociedade brasileira.
- Patrimônio Material: conjunto de bens culturais físicos e tangíveis, que podem ser vistos e tocados, sendo classificados conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e artes aplicadas. Eles podem ser bens imóveis, como cidades históricas e sítios arqueológicos, ou móveis, como coleções arqueológicas e acervos museológicos. A preservação é garantida por instrumentos legais, como o tombamento, o registro e o inventário.
- Patrimônio Imaterial: Diferente dos bens materiais, o patrimônio imaterial não é um objeto físico, mas sim tradições, expressões, conhecimentos e manifestações que fazem parte da vida social de comunidades e grupos. Alguns exemplos são festas tradicionais, danças, músicas, artes cênicas, artesanato, rituais e até os lugares onde essas manifestações culturais acontecem, como feiras e santuários.
Para Romeu Duarte Júnior, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), preservar e proteger um objeto ou manifestação cultural não é apenas uma ação técnica, mas uma afirmação de valores e identidade.
“O patrimônio cultural material e imaterial, não só de Fortaleza, mas de toda e qualquer cidade, dialoga com os tempos, os modos de vida, o sistema de crenças, os valores, a inteligência e a sensibilidade das urbes e dos seus habitantes. É uma forma de compreender as aglomerações urbanas/humanas através da relação passado/presente/futuro. Preservar e proteger um determinado objeto ou uma certa manifestação são ações que dizem muito de uma sociedade, assim como a sua destruição. Como disse Mário de Andrade, preservar o patrimônio é alfabetização”, declara.
Como esses patrimônios, tanto materiais quanto imateriais, estão presentes em Fortaleza:
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Bens materiais
Foto: Arte g1
Com 56 bens tombados definitivamente e outros 42 provisoriamente, Fortaleza abriga um acervo valioso, que inclui o Theatro José de Alencar, a Ponte dos Ingleses, o Mercado dos Pinhões, a Feira de Artesanato da Beira-Mar, a Farmácia Oswaldo Cruz, o Passeio Público, entre outros.
Romeu Duarte Júnior cita o casarão de número 938, localizado na Av. Santos Dumont, no bairro Aldeota, como exemplo de um processo de preservação bem-sucedido. A edificação foi restaurada e adaptada para abrigar a padaria Casa Pâine. Neste ano, o prédio foi tombado pela Prefeitura.
Casa Pâine está localizada em um casarão histórico do bairro Aldeota. — Foto: Divulgação
A experiência mostrou que é possível o novo conviver com o antigo a partir da definição de usos compatíveis.
— Romeu Duarte Júnior.
A Secultfor também cita outros exemplos de construções históricas que passaram por obras de recuperação e restauro: o Parque da Liberdade, o Teatro São José, o Estoril, a Ponte dos Ingleses, a Complexo Estação das Artes, o Museu da Imagem do Som, o Edifício Antônio Gomes Guimarães, o Museu da Indústria, o Passeio Público, o Palácio João Brígido, o Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, o Cine São Luiz e o Sobrado Dr. José Lourenço.
Veja como estão os patrimônios culturais que passaram por reformas
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Teatro São José é um dos ícones arquitetônicos do Centro — Foto: Helene Santos
Há também casos de bens tombados cuja preservação não atingiu o nível esperado. Romeu Duarte Júnior cita a Chácara Salubre, uma das mais antigas edificações de Fortaleza, datada do século XIX, como um dos patrimônios precisa de cuidados imediatos.
Chácara Salubre está localizada na Av. Mister Hull. — Foto: Kid Júnior/SVM
A mesma urgência se aplica a outros bens históricos, como as caixas d’água do Benfica, a Casa de Câmara da Vila de Arronches, na Parangaba, o Lord Hotel, no Centro, e o Bangalô Aristides Capibaribe, na Jacarecanga. Essas construções, embora reconhecidas como patrimônios, requerem medidas de preservação mais efetivas.
Construções históricas de Fortaleza requerem medidas de preservação
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Caixas d’água do Benfica apresentam necessidade de reparos. — Foto: Thiago Gadelha/SVM
O professor aponta uma série de fatores históricos e estruturais que têm dificultado a manutenção adequada do patrimônio. Entre as principais questões levantadas por ele estão:
- Lentidão nos processos de preservação;
- Falta de propostas concretas para o uso dos espaços;
- Ausência de comprometimento por parte dos agentes públicos e privados;
- Desconexão entre a preservação urbana e o planejamento da cidade;
- Desvalorização do patrimônio cultural, muitas vezes causada pelo desconhecimento e pela desinformação.
“Face a alguns processos bem sucedidos verificados recentemente, penso que é chegada a hora da celebração de um grande pacto em prol da preservação do nosso patrimônio cultural edificado. As políticas públicas exercidas pelos órgãos de patrimônio, solitárias como estão, não surtem efeito”, reforça o professor.
Para ele, a preservação do patrimônio cultural exige a construção de políticas públicas mais amplas e integradas. Ele sugere o diálogo entre órgãos públicos das esferas federal, estadual e municipal, instituições de fomento, iniciativa privada, academia, representações da sociedade civil e demais atores envolvidos para promover ações colaborativas de preservação.
A Secultfor informou que a gestão de patrimônio trabalha com diversas políticas de preservação, incluindo:
- O tombamento de bens materiais;
- O registro de bens imateriais;
- O fomento ao patrimônio cultural;
- A recuperação e o restauro de bens;
- O zoneamento de áreas históricas;
- A produção de inventários e mapeamentos, além de outros documentos que abordam a preservação do patrimônio histórico e cultural de Fortaleza.
“Observamos que algumas políticas de preservação apresentam maior efetividade do que outras. Diante disso, entendemos que os instrumentos do tombamento e do registro se configuram como as principais formas de proteção do acervo de valor patrimonial de Fortaleza. Por meio do tombamento, por exemplo, é possível acompanhar, fiscalizar, monitorar e deliberar sobre as transformações materiais nos bens culturais edificados”, informou a secretaria.
A Coordenação do Patrimônio Histórico e Cultural da Secultfor informou que realiza um trabalho contínuo de fiscalização e preservação dos bens culturais protegidos em Fortaleza, incluindo visitas e emissão de laudos técnicos com avaliações do estado de conservação dos edifícios. Além disso, a Secultfor conta com o apoio da Agência de Fiscalização de Fortaleza, que atua em casos de obras irregulares ou realizadas sem a devida autorização.
“Caso sejam constatadas irregularidades em processos de construção, ampliação ou demolição, as obras podem ser embargadas, e os responsáveis poderão ser penalizados judicialmente ou por meio da aplicação de multas, conforme o descumprimento das legislações vigentes”, afirma a Secultfor.
A Secretaria destinou uma dotação orçamentária de R$ 6.692.177,00 em 2025 para ações voltadas ao patrimônio cultural da cidade. A intenção é ampliar esse valor.
Através da Coordenadoria de Patrimônio Histórico e Cultural, a Secretaria também mantém parcerias regulares com instituições de ensino superior, com o objetivo de produzir estudos que enriquecem os documentos técnicos e alimentam a base de dados da área. Além disso, a Secultfor afirma que tem realizado parcerias e apoios institucionais para realizar projetos e eventos que fortalecem ainda mais a proteção e promoção do patrimônio cultural de Fortaleza.
Embora haja um consenso sobre a importância da preservação do patrimônio cultural, a Secultfor cita o diálogo com os proprietários de bens tombados como um dos principais desafios.
A maioria não compreende a relevância de seu imóvel para a história urbana, questiona as limitações impostas pelo instrumento do tombamento e solicita recursos financeiros para realizar ações de recuperação em suas propriedades.
— Secultfor
Outro desafio é a busca por novas ferramentas e estratégias de gerenciamento e captação de recursos, que garantam a manutenção dos bens patrimoniais. “Entendemos que a cidade e o patrimônio são dinâmicos e multifacetados, portanto, é necessário dinamizar as formas de olhar e de gerenciar esse acervo, por meio da participação popular e da atuação de agentes envolvidos com a temática da cultura”, pontua a secretaria.
Nos próximos anos, a Secultfor tem como objetivo consolidar políticas públicas focadas na promoção, preservação, valorização e difusão do patrimônio cultural de Fortaleza.
Entre as ações prioritárias estão:
- O fortalecimento da educação patrimonial nas escolas e comunidades;
- O estímulo à participação social na gestão do patrimônio, por meio da descentralização da política municipal de cultura;
- A ampliação do reconhecimento e do acesso a bens de relevância patrimonial para além dos espaços centrais e tradicionais da cidade;
- O incentivo à captação de recursos para iniciativas de preservação;
- A realização de estudos, pesquisas, inventários e mapeamentos do patrimônio cultural municipal;
- A atualização do Plano Diretor e da Lei Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico e Cultural de Fortaleza.
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Bens imateriais
Foto: Arte g1
Fortaleza conta com sete bens registrados oficialmente como patrimônios imateriais, que revelam a diversidade cultural e a riqueza das tradições locais. São eles:
- A Festa de São Pedro;
- A Igreja de São Pedro;
- A Festa de Iemanjá;
- A Farmácia Oswaldo Cruz;
- O Maracatu de Fortaleza;
- A Festa da Coroa do Bom Jesus dos Aflitos de Parangaba;
- A Quadrilha Junina de Fortaleza.
Confira a seguir mais detalhes sobre cada um desses bens.
Celebração da Festa de São Pedro dos Pescadores na Praia do Mucuripe, em 2024. — Foto: Kid Junior/SVM
Realizada desde a década de 1930, no Dia de São Pedro, em 29 de junho, a Festa de São Pedro dos Pescadores foi o primeiro patrimônio imaterial oficialmente registrado em Fortaleza. A celebração, dedicada ao padroeiro dos pescadores, une fé, tradição e cultura popular, reunindo devotos em uma homenagem à memória e à identidade das comunidades ligadas ao mar.
Para Maria Cristina, presidente da Colônia Z8 e uma das responsáveis pela organização do evento, a festa representa as memórias e tradições da comunidade pesqueira. Quando criança, ela acompanhava o evento ao lado de seu pai, já falecido, que era pescador.
“A festa de São Pedro tem um profundo significado para as comunidades pesqueiras, sendo considerada um momento de celebração de fé, da tradição e da identidade cultural. São Pedro, o padroeiro dos pescadores, é visto como um protetor e intercessor nas atividades pesqueiras”, destaca.
Igreja de São Pedro está localizada na avenida Beira Mar, no Mucuripe. — Foto: Natinho Rodrigues/SVM
A Igreja de São Pedro, palco de parte das celebrações, é reconhecida tanto como patrimônio material quanto imaterial. Segundo a Secultfor, essa dupla classificação se deve ao fato de a capela preservar vínculos estreitos com as manifestações culturais realizadas em seu interior e arredores.
Construída em meados do século XIX, a Igreja foi tombada no Livro dos Lugares pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Histórico-Cultural por “sua importância cultural para a cidade […] haja vista o seu alto valor simbólico, portador de inelutável referência à identidade e à memória da sociedade fortalezense”.
Festa de Iemanjá reverencia a orixá das águas salgadas. — Foto: Ismael Soares/SVM
Celebrada no dia 15 de agosto, a Festa de Iemanjá é um importante patrimônio imaterial de Fortaleza que mantém viva a fé, a tradição e a cultura popular da cidade. A celebração é realizada por povos e comunidades de terreiro e de matriz africana e afro-brasileiras, em homenagem à orixá Iemanjá, conhecida como a Rainha do Mar, associada às águas e aos pensamentos.
“Para nós, umbandistas, é uma das datas mais importantes, pois Iemanjá é a Mãe de todos os orixás. Nos anos 1950, era totalmente proibido. Com orgulho, hoje vestimos nossas roupas, nossas guias e louvamos Iemanjá na praia, no rio, na praça ou dentro do próprio terreiro. Caravanas de todo o estado do Ceará e de outros estados veem para Fortaleza.Difundindo a cultura entre os povos”, declara Mãe Tecla, presidente da União Espírita Cearense de Umbanda/Uecum.
Durante a festa, os devotos realizam cortejos, oferendas e celebrações nas praias da Capital. “Os umbandistas se sentem protegidos e acolhidos, não só pela a instituição que realiza a festa de Iemanjá há mais de 50 anos, mas sentem a liberdade e o combate a intolerância religiosa e ao racismo religioso”, pontua.
Farmácia foi fundada há 77 anos e é a mais antiga em atividade em Fortaleza. — Foto: Agência Diário/Marilia Camelo
Assim como a Igreja de São Pedro, a Farmácia Oswaldo Cruz é reconhecida tanto como patrimônio material quanto imaterial, pela mesma justificativa. Considerada a farmácia de manipulação mais antiga do Estado do Ceará, foi construída na primeira metade do século XX, em estilo eclético, na Praça do Ferreira.
Ela representa uma época em que a relação com as farmácias era diferente: as receitas médicas, após serem prescritas, eram manipuladas pelo farmacêutico antes de serem entregues aos clientes. Até hoje, a farmácia mantém sua aparência original, o que reforça seu valor como um ícone histórico e cultural representativo da cidade de Fortaleza.
Foto histórica da Farmácia Oswaldo Cruz, de 1952. — Foto: Arquivo Nirez
Guilherme Ciarlini Cararacas, integrante da quarta geração da família responsável pela farmácia, afirma que preservar o espaço até os dias atuais representa “uma honra imensa e uma grande responsabilidade”.
“O reconhecimento da Farmácia Oswaldo Cruz como patrimônio material e imaterial de Fortaleza é, acima de tudo, uma celebração da memória, da tradição e do serviço que temos prestado à cidade ao longo de tantas décadas. Esse título reforça o papel que desempenhamos não apenas como estabelecimento comercial, mas como um espaço de convivência, cuidado e história viva de Fortaleza. Sentimo-nos profundamente gratos por esse reconhecimento e comprometidos em preservar esse legado para as futuras gerações”, declara.
Ele explica que, ao longo dos anos, a família teve o cuidado de preservar diversos elementos originais da farmácia, como o mobiliário antigo em madeira, os balcões de atendimento, frascos e equipamentos farmacêuticos da época, uma balança com quase cem anos, além da fachada do prédio, que mantém suas características arquitetônicas originais.
Maracatu foi reconhecido como patrimônio imaterial de Fortaleza em 2015. — Foto: Fernanda Siebra/Secultfor/Reprodução
Tradicional no Carnaval de Fortaleza, o Maracatu é uma manifestação cultural que celebra a ancestralidade negra, seja pela reverência a entidades das religiões de matriz africana, seja por meio de sua dança dramática, repleta de simbologia e histórias seculares. Presente na cidade desde a década de 1930, o Maracatu foi reconhecido como patrimônio imaterial de Fortaleza em 2015.
Para Rodrigo Passolargo, pesquisador e Diretor do Maracatu Vozes, o reconhecimento abriu caminhos para novas políticas culturais, como a Lei 330/2024, que institui a Semana de Coroação de Rainhas e Reis do Congo.
“É importante que as esferas de poder e políticas públicas reconheçam o Maracatu, pois reconhecer o Maracatu é conhecer seu povo. Desde o momento que acontece esse reconhecimento, também acontece um compromisso de adentrar na história e tradição da cidade. Ser um Patrimônio Imaterial de Fortaleza é criar elo entre a cidade, sua história, suas festas e as pessoas. Uma iniciativa leva a outra”, pontua.
Quadrilhas juninas são Patrimônio Imaterial de Fortaleza. — Foto: Secultfor/Divulgação
Neste ano de 2025, a Prefeitura de Fortaleza, por meio da Secretaria Municipal da Cultura (Secultfor), tornou oficial o registro das quadrilhas juninas como Patrimônio Imaterial do Município. No ano passado, a quadrilha junina já havia sido reconhecida como patrimônio da cultura nacional.
As Quadrilhas Juninas de Fortaleza são uma das manifestações culturais mais vibrantes e tradicionais da cidade, refletindo a herança nordestina e a alegria das festas juninas. Durante o mês de junho, as ruas de Fortaleza se enchem de cores, ritmos e danças, enquanto grupos de quadrilhas se apresentam com trajes típicos e coreografias que misturam dança, música e encenação, contando histórias de amor, do sertão e das tradições nordestinas.
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