A avaliação é a do assessor especial da presidência do Brasil, Celso Amorim, na véspera de sua participação na mesa redonda ”Rumo a uma virada história? Qual o impacto das eleições americanas no mundo”, na programação da 7ª edição do Fórum da Paz, em Paris.
“A própria incontestabilidade, digamos, da vitória, vai deixar o presidente Trump mais tranquilo em relação a muitos pontos. Eu acho que existe nele uma certa dose de pragmatismo, que você poderia dizer que é muito ideológica. Mas talvez, com o tempo, ele tenha chegado à conclusão de que, para que os Estados Unidos ou a América seja grande, é preciso que o mundo todo cresça”, disse Amorim.
Citando as boas relações do governo Lula com o republicano George W. Bush no passado, o ex-chanceler prevê um diálogo “positivo” entre Brasília e Washington também a partir de janeiro, quando Trump assume a Casa Branca.
“Eu tenho a esperança de que vai ser um diálogo positivo. Em geral, nos republicanos, mas especialmente no Trump, eu vejo um certo pragmatismo que pode soar até como egoísmo à primeira vista, mas que, na prática, pode resultar num certo equilíbrio mundial”, disse Amorim em entrevista à RFI.
Durante a campanha presidencial, Trump voltou a prometer uma nova retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, medida adotada em seu primeiro mandato e que gera muita preocupação nos esforços de combate às mudanças climáticas. No entanto, o assessor da presidência do governo Lula avalia que o republicano poderá rever algumas de suas posições, mas será preciso capacidade de “diálogo”.
Ex-chanceler Celso Amorim é assessor especial da Presidência — Foto: AGÊNCIA BRASIL
“As colocações prévias são mais fortes do que a realidade. Eu acho que a preservação do planeta é fundamental e o presidente Trump vai também chegar a essa conclusão, inclusive porque grande parte dos Estados Unidos também sofre com a poluição. Evidentemente, como todo mundo, você não pode isolar um país. Eu acho que com jeito e com capacidade de diálogo, claro, o precedente é preocupante, a retirada do acordo de Paris, mas vamos trabalhar, dialogar da melhor forma que for”, declarou.
“Eu acho que pode haver descoberta do interesse mútuo, não é porque há inclusive ganhos econômicos em um mundo que seja ambientalmente mais amigável”, acrescentou.
Relações EUA-Brasil-Venezuela
Relação com a Venezuela não será de “beijos e abraços”. Na entrevista à RFI, Celso Amorim também comentou sobre as tensões com a Venezuela, mencionando a preocupação brasileira com uma “eleição justa e transparente” no país vizinho. A falta de distribuição das atas pelo Conselho Eleitoral levou o Brasil a não reconhecer o resultado formal da eleição.
Ele espera que “o pragmatismo prevaleça sobre visões ideológicas”, reforçando que, apesar das discordâncias, o Brasil manterá relações de Estado com a Venezuela, dada sua importância estratégica na América do Sul.
“Nós claramente queríamos que houvesse uma eleição justa e transparente. Infelizmente não houve a distribuição das atas, a revelação das atas pelo Conselho Eleitoral. E isso fez com que a gente não desse um reconhecimento formal à eleição. Mas o Brasil vai ter uma relação de Estado a Estado. Vamos ter uma relação, talvez que não seja de beijos e abraços, mas será de interesse mútuo. Nós temos muita preocupação com a região. Temos uma grande preocupação com a integração sul-americana. E é muito difícil você imaginar uma integração sul-americana sem a Venezuela”, destacou.
Sobre a iniciativa do presidente da Assembleia da Venezuela, Jorge Rodríguez, que acusou Amorim de ser “mensageiro dos Estados Unidos”, e que pretende pedir ao Parlamento do país declarar o assessor especial do governo Lula persona non grata no país, ele respondeu: “Eu acho que essas coisas são feitas na emoção e são feitas, às vezes internamente, mas não vou entrar em uma análise profunda porque não acho que caiba. Mas eu sinceramente, não tomo isso pessoalmente e acho que, se não for eu, irá outra pessoa em algum momento. Nós temos uma embaixadora lá muito boa, muito competente, e enfrentando uma situação difícil”, diz, em referência à embaixadora Glivânia Maria de Oliveira.
Para Amorim, o interesse mútuo entre os dois países acabará prevalecendo. “Eu acho que o Brasil é um país que pode ajudar a Venezuela. Eu acho que [os dois países] têm que se entender, cada um cuidando de seu interesse, normalmente, sem imposições de espécie alguma, mas também reconhecendo os fatos. Então é dessa maneira que nós queremos continuar no relacionamento”, afirmou.