“Eu geralmente jogo futebol, vôlei, nado na piscina com meus amigos aqui do prédio mesmo ou do colégio. Em casa, jogo xadrez com meu pai e minha mãe, assisto série com eles, brinco com meu irmão”, disse Lucca Pontes, de 12 anos, estudante do 6º ano do ensino fundamental.
Os passatempos ordinários contrastam com as conquistas acadêmicas extraordinárias. O adolescente, ainda na metade do ensino fundamental, foi aprovado no vestibular da Universidade Estadual do Ceará. Lucca foi diagnosticado com superdotação (entenda o diagnóstico abaixo), o que alterou a atenção dos pais para as atividades que ele pratica além dos estudos.
“Quando as pessoas imaginam o superdotado, elas só imaginam uma pessoa muito inteligente, mas a superdotação se enquadra como neurodivergência. Existem outras questões desafiadoras”, disse Andressa Pontes, mãe do Lucca.
“Por trás do superdotado tem uma criança que é extremamente perfeccionista, que é sensível. Então, tem outras coisas que a gente busca para dar esse suporte para que ele possa se desenvolver melhor dentro da capacidade dele, dentro da característica dele, do que ele gosta, para que seja verdadeiramente feliz”, reforçou.
Seja no futebol, vôlei ou basquete, Lucca aproveita a quadra do condomínio para se divertir com amigos ou família. — Foto: Davi Rocha/SVM
Importância da socialização
Definir momentos como práticas de esporte, lazer ou algum hobby não significa dizer que o estudo seja excruciante para as crianças superdotadas. Pelo contrário, a dedicação acadêmica, na maioria das vezes, é desenvolvida naturalmente por elas. No entanto, é preciso equilíbrio e diversidade para um desenvolvimento completo.
“Quando você estimula só uma área, um rótulo ou uma imagem, uma expectativa em relação a essa criança, você está empobrecendo, está roubando a oportunidade de desenvolvimento dela em outras áreas”, explicou a psicóloga Ticiana Santiago.
“Ela precisa brincar, ela precisa do filme, precisa da história, precisa de jogos, praticar um esporte. Ela, mais do que todas as outras, para não esquecer do corpo, do movimento, da regulação emocional. Ela precisa participar de uma atividade artística e cultural, de um teatro, de leituras nesse sentido”, complementou Ticiana, que é doutora em educação brasileira e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A psicóloga relatou já ter acompanhado casos de crianças e adolescentes com altas habilidades que desenvolveram quadros de ansiedade e depressão crônicos, devido a metas inalcançáveis e falta de estímulo em outras áreas — como a inteligência emocional.
“Essas crianças precisam muito, tanto quanto ou até mais, de socialização. Elas precisam estar entre pares, conviver com outras crianças que são parecidas com elas até para não se reconhecerem como tão diferentes, e também ficarem estimuladas, mas elas também precisam estar na escola regular. Elas também precisam da mediação pedagógica dos professores, dos pais, de elementos que trabalham o corpo, a psicomotricidade, a imaginação, a criatividade, as habilidades linguísticas, as interações sociais”, reforçou.
“É importante reconhecer que as altas habilidades e superdotação falam de um desenvolvimento neuroatípico. Não quer dizer que essas crianças tenham necessariamente uma deficiência, mas que elas precisam, assim como qualquer outra criança que tem diferenças e diversidades, de um currículo adaptado, de uma rotina adaptada e de estimulação. Então é muito importante, tal qual todas as crianças, em especial eles, que a gente tenha atenção à singularidade de cada um”, destacou a professora universitária.
‘A superdotação é muito complexa’
João Pedro, de 12 anos, explica quais são as atividades preferidas no tempo livre.
O tempo livre também é celebrado na casa de João Pedro, conhecido como JP das Galáxias — que também foi diagnosticado com superdotação. Ele, assim como o amigo Lucca, também foi aprovado na Uece — e ainda mais cedo, aos dez anos. Em 2025, inclusive, JP esteve em uma lista de 100 crianças prodígios do mundo.
“Claro que ele joga bola; já quebrou dedo, já quebrou pé jogando bola. Ele gosta de brincar de piscina. Dentro de casa, ele tem um irmão mais novo, de quatro anos, então ele acaba brincando de carrinho com o irmão”, elencou Sarah Araújo, mãe de JP.
Entre várias atividades, JP disse estar focado no momento em jogos de tabuleiro, mas destacou o histórico na luta — onde também acumula medalhas. “Eu treino judô desde os dois anos e estou na faixa laranja. Já fui campeão cearense duas vezes. Adoro treinar judô porque é uma atividade física linda. É uma atividade de autodefesa que não é brutal, mas também não é cortesã”, disse JP.
A atividade física é um dos hobbies incentivados pela mãe. “O judô fez uma diferença muito grande na vida dele, porque deu um ganho de autoconfiança, de muita noção de mundo, de perder, de ganhar, de competir. O judô foi muito importante”, comentou Sarah.
“A superdotação é muito complexa. Junto com a superdotação, com essa facilidade de aprendizado, com essa média cognitiva elevada, vêm vários outros fatores que nem sempre são positivos”, disse Sarah.
“Geralmente, o superdotado tem uma tendência a ser mais ansioso. Ele tem uma tendência, às vezes, a ser depressivo. São questões que eu, desde cedo, fico muito atenta. E essas atividades paralelas, que a gente programa, tenta fazer com ele, são justamente também para tentar remediar essas coisas que nem sempre são positivas”, destacou a mãe do JP.
João Pedro pratica judô desde os dois anos, mas disse que os jogos de tabuleiro são a atividade preferida no momento. — Foto: Davi Rocha/SVM
Diagnóstico de superdotação
Lívia Melo, neuropsicóloga que trabalha com crianças com superdotação, enfatiza a necessidade de obter o diagnóstico de altas habilidades. “É um diagnóstico para você entender como é que seu cérebro funciona. É um mapeamento do seu cérebro para, a partir desse mapeamento, você entender quais ferramentas você pode usar a seu favor”, explicou.
Ela disse, inclusive, que o processo não se limita às crianças. “Ele pode ser feito em qualquer pessoa; é um diagnóstico para autoconhecimento. Não é um diagnóstico só para você descobrir se você tem algum tipo de transtorno”, detalhou. Em 2025, inclusive, o tema ganhou destaque após o influenciador Whindersson Nunes receber o diagnóstico.
Como é feita o diagnóstico de superdotação? O g1 explica.
“Quando se pensa em altas habilidades, a gente acha que é aquele gênio e que tem que ser perfeito e tudo. Mas, geralmente, uma pessoa que tem altas habilidades, ela tem uma deficiência na parte emocional. Por quê? Porque ela fica muito focada em alguma parte, mas a parte emocional pode ter alguma perda. É nessa perda que a gente precisa trabalhar”, disse a psicóloga.
Lívia destacou também a importância das atividades como lazer e os hobbies para as crianças superdotadas. “Então, tem crianças que são muito hiperfocadas nessa parte acadêmica, mas elas esquecem da parte do brincar; é uma criança. O brincar faz parte do desenvolvimento”, reforçou.
“Ela precisa socializar com outras crianças para ela desenvolver as demais áreas do cérebro dela. Não precisa e não pode ser somente essa questão acadêmica, porque, a partir do momento que ele fica só no acadêmico, ele deixa de socializar com outras crianças, deixa de ter experiências sensoriais”, complementou.
Neuropsicóloga Lívia Melo trabalha com diagnósticos de superdotação. — Foto: Davi Rocha/SVM