A vítima entrou com uma ação na Justiça do Trabalho do Ceará em agosto de 2024. No fim da década de 1990, a então menina foi levada pela avó para morar e trabalhar na casa da empregadora, no município do Crato.
Conforme o Tribunal Regional do Trabalho da 7.ª Região (TRT-7), a trabalhadora foi contratada para ser babá, mas além de cuidar das crianças da família, também realizava tarefas domésticas e trabalhava na produção de biscoitos da fábrica que funcionava na residência.
Na ação, foi solicitado o reconhecimento do vínculo empregatício e de verbas trabalhistas não pagas, como horas extras, férias e 13º salário. Além disso, a petição destacou a condição degradante em que a trabalhadora vivia, incluindo agressões físicas e morais, restrição de liberdade e o impedimento de frequentar a escola.
A defesa da trabalhadora pediu uma indenização por danos morais equivalente a 100 salários mínimos, ressaltando o trauma psicológico e as violações de direitos.
Na contestação, a defesa da empregadora negou as acusações. A parte reclamada argumentou que os pedidos referentes ao período de 1997 a 2015 estariam prescritos, ou seja, a trabalhadora teria perdido o direito de reclamá-los devido ao tempo.
A defesa também questionou a validade das provas apresentadas e afirmou que a trabalhadora teria abandonado o emprego. Além disso, negou a continuidade ininterrupta do vínculo, alegando que o segundo contrato de trabalho, entre 2023 e 2024, seria por produção e que a própria trabalhadora não queria ter a carteira assinada.
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Decisão judicial
O Ministério Público do Trabalho (MPT) também interveio no caso e emitiu parecer. O MPT separou o período de trabalho em dois: o primeiro, de 1997 a 2011, no qual considerou que a trabalhadora foi submetida a condições análogas à escravidão, e um segundo período, de 2016 a 2024.
Já a sentença foi proferida pela juíza do trabalho Giselle Bringel de Oliveira Lima David, na Vara do Trabalho de Juazeiro do Norte, neste mês de agosto. A sentença reconheceu o dano moral imprescritível e condenou as rés ao pagamento de indenização, conforme o TRT-7.
Na decisão, a juíza rejeitou a preliminar de prescrição e reconheceu que, de fato, a trabalhadora foi submetida a condições de trabalho análogas à escravidão. A magistrada destacou que a prova oral, incluindo o depoimento de uma testemunha da própria empregadora, confirmou o início do trabalho em 1997, quando a trabalhadora ainda era uma criança. Além disso, enfatizou a diferença de tratamento entre a trabalhadora e os filhos da empregadora, ressaltando que o direito à educação da empregada foi cerceado.
A juíza considerou que a justificativa de que a trabalhadora era “como se fosse da família” desmoronou diante da realidade de tratamento desigual e exploratório. A sentença também reconheceu o trabalho infantil doméstico em condições análogas à escravidão até a maioridade da trabalhadora, em abril de 2004, seguindo o vínculo empregatício no período subsequente.
Além de reconhecer o trabalho infantil e análogo à escravidão, foi acolhida a rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa das reclamadas. O motivo foi a falta de registro em carteira e o não pagamento de direitos básicos como FGTS, férias e 13º salário e pagamento de salário abaixo do mínimo legal.
A magistrada reconheceu o direito à indenização por danos morais pela submissão a trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil, fixando o valor de R$ 70 mil, bem como R$ 5 mil por danos morais adicionais devido à ausência de proteção à maternidade em episódios de doença do filho da reclamante.
“A decisão serve como um importante precedente, reafirmando que a exploração de menores e as condições degradantes de trabalho não podem ser mascaradas por relações de aparente afeto, e que a dignidade humana deve ser a prioridade”, destacou o TRT-7.